E AGORA, ONDE E COM QUEM VOU BRINCAR? O ESPAÇO URBANO E A INFÂNCIA NO EXTREMO NORTE PALMENSE.
John Max Santos Sales
Economista (UFS), Tecnólogo em Saneamento Ambiental (IFS), Mestre em Planejamento Urbano e Regional (UFRGS) e Doutor em Planejamento Urbano e Regional (UFRGS). Professor da Universidade Estadual do Tocantins.
Em 27 de maio de 2024 ocorreu uma oficina produzida pela equipe do projeto Palmas Participa, no qual a metodologia de discussão e captação de demandas urbanísticas foi inovada a partir da adição de uma faixa etária pouco ouvida nesses processos participativos: as crianças. Fiquei entusiasmado com a proposta de vê-las passando pelo processo de desenho, problematização, reflexão e, por fim, explanação junto a plenária. Com muito gosto compartilho com vocês, leitoras/es.
Esta oficina me fez fazer uma gira de lembranças e percepções urbanas apreendidas na fase adulta. Por exemplo, os condomínios fechados das classes bancas e abastadas, que se autosegregam cada vez mais e em alta velocidade, é perceptível em alguns casos a aglomeração de crianças nos parquinhos presentes dentro do empreendimento habitacional, foi assim que pelo menos vi quando fui visitar uma amiga num condomínio Alphaville na cidade de Barra dos Coqueiros em Sergipe.
No entanto, localidades onde esta mesma classe vive, mas sem ser de forma cercada, é perceptível a presença de ruas vazias e sem vida. Diferente ocorre na maioria das comunidades de baixa renda e majoritariamente negra, que na ausência de equipamentos públicos de lazer, as crianças utilizam de toda a criatividade e inventividade para fazer tanto da rua quanto de uma praça, sem atrativo algum, um verdadeiro movimento festivo de diversão.
Cada pessoa guarda suas próprias recordações da infância, inclusive pode ser que se afasta desses breves exemplos supracitados, que não tem a pretensão de serem determinantes. Eu, que faço parte da geração Y (Milennials), e com infância e adolescência em ambientes periféricos, tive a oportunidade de usar e apropriar do espaço urbano sem ter a mínima noção de que estava, junto com outras crianças, contribuindo para a vitalidade dos bairros em que estive. Quando li “Quando a rua vira casa”, de Vogel e Melo (2016), ainda com lindas ilustrações de Orlando Mollica, também me vi em algumas passagens daquela etnografia, pois eu cresci vendo a rua virar festa, virar contato físico, solidariedade, mas também presenciei virar confusão, brigas, dentre outros conflitos possíveis que se possa ser imaginado. Contudo, o contexto atual mostra que até mesmo em territórios periféricos tem sido notado o processo de esvaziamento das ruas com a fatal ausência das crianças, tal como é o caso do setor Largo Norte na cidade de Palmas.
O fato é que o panorama da década de 2020 apresenta mudanças sociodemográficas significativas, principalmente no que corresponde a redução da taxa de natalidade. Somado a isso tem-se os desafios em torno da segurança pública, ascensão da tecnologia, além de um desenho urbano, infraestrutura e distribuição equânime de equipamentos e serviços públicos que facilitem a integração infantil, que são fatores determinantes que podem reduzir a presença do brincar das crianças nas vias públicas e demais espaços públicos.
Este contexto apresentado brevemente neste texto só pôde ser possível de ser refletido devido ao que eu ouvi das crianças, que expunham, ao seu modo, a cidade que querem. Foi falado por elas, com muita veemência, a situação de não haver crianças o suficiente para brincar, fazendo com que fosse esse o pedido mais destacado: o aumento do número de crianças para brincar. É válido ressaltar, nesse sentido, que este pedido engloba uma não aderência ao isolamento compulsório correspondente a mesma faixa etária.
Trata-se de uma problemática inerente a qualquer ser humano, até mesmo para àqueles que gostem do contato mínimo com outras pessoas, pois há de convir que mesmo nestes casos existem tentativas de buscar grupos que minimamente compactue com as mesmas ideias, de modo que se possa se sentir inserido e afetivamente pertencido.
Um outro pedido feito pelas crianças chama atenção pelo mesmo motivo, pois a revelação do anseio por parquinhos foi justificada como possibilidade de aglomeração de corpos de faixa etária infanto-juvenil. Isso mostra a perspicácia da criançada, pois demonstra conhecimento sobre os prováveis equipamentos e espaços públicos com potencial aglomeração, revelando intrinsicamente a experiência de viver no espaço urbano periférico.
Somos seres sociais, e o recente evento pandêmico provou em nosso âmago a angústia de nos afastarmos das nossas e dos nossos.
A dinâmica sociodemográfica atual do Brasil apresenta uma diminuição da taxa de natalidade. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciou via Agência IBGE Notícias (2024) que houve uma queda brusca no número de nascimentos no Brasil, tendo alcançado um dado que se conforma como o menor em 47 anos 2 . A despeito de dados conjunturais, em 2021 houve o registro de 2.635.854 crianças passando para 2.542.298, acarretando numa queda de 3,5%.
Os dados dos dois últimos censos, coletado via Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA), mostra que no Brasil houve uma queda no número de crianças com até 14 anos, pois em 2010 havia 45,9 milhões, representando 24,1% da população, enquanto em 2022 o quantitativo correspondia 40,1 milhões (19,8%), despontando numa queda de 4,3 pontos percentuais. Em relação ao Tocantins, nota-se a presença de 397.972 crianças (28,7%) em 2010 e em 2022 a quantidade de crianças correspondeu a 350.986 (23,2%), acarretando numa diminuição de 5,5 pontos percentuais. No que corresponde ao município de Palmas, percebeu-se que em 2010 havia 60.808 (26,6%) e em 2022 aponta-se uma presença de 68.457 crianças (22,6%), mostrando que houve uma redução de 4 pontos percentuais. Os dados mostram que a redução a nível nacional, estadual e municipal possuem um comportamento similar, podendo, inclusive, apontar tendência de diminuição vertiginosa no futuro.
Essas informações quantitativas apresentam sinais mais que óbvios que as cidades, considerando esta faixa etária, já deve(ria) começar a se preparar para pensar um espaço urbano includente no que tange a sociabilidade na infância. A escola, nesse sentido, terá um papel crucial no âmbito da socialização de crianças, pois é nela que provavelmente se concentrará o único período em que crianças se encontram plenamente em aglomeração. Logo, isso exige condições pedagógicas, estrutura física e excelentes salários para professoras/es, de modo a convergir estratégias que beneficiem a sociabilidade. A série histórica foi iniciada em 1974 das crianças, tendo em vista a ausência de resolução de curto prazo do uso e a apropriação de ruas e demais espaços públicos na cidade.
O desafio em relação às escolas ainda se conforma com mais proeminência quando entendemos que estamos vivendo num sistema econômico em que as condições de trabalho impossibilitam um tempo acessível de convivência entre crianças e seus familiares imediatos. Isso faz com que estes não tenham tempo não só de participar de oportunidades efetivas de lazer com as crianças, mas também de que seja garantida a sua presença no quanto aos cuidados sobre o aglomerado de crianças na utilização da rua e os demais espaços públicos para brincadeiras.
Outro tema também discutido pelas crianças remete a pavimentação das ruas, onde as crianças perspicazmente afirmaram que asfalto “esquenta”, apontando que este é um indicador importante que inibe a presença destas na ocupação e apropriação das vias urbanas. Ademais, também foi solicitado uma presença mais expressiva de plantas, o qual podemos também traduzir como incentivo a arborização. Esses anseios de longe ocasionais, pois reafirmam que as crianças sentem e experenciam a cidade, possuindo conhecimento legítimo o suficiente para pleitear suas próprias demandas.
Este fato coincide com os estudos provenientes do Departamento de Ciências Florestais da Universidade de São Paulo (USP) na cidade de Piracicaba-SP, no qual atesta que as vias asfaltadas nas cidades deixam as noites 5ºC mais quentes. O pesquisador Demóstenes Filho acusa que a superfície asfáltica guarda calor, repercutindo no aumento do consumo de água, uso de energia elétrica, além do próprio desgaste físico. Por isso a recomendação é aumentar ainda mais o volume de arborização das cidades, de modo a atenuar o clima hostil. Considerando que Palmas possui uma temperatura média anual superior a cidade paulista, torna o caso da capital tocantinense ainda mais preocupante, haja vista que o conforto térmico se configura como ainda mais insuportável.
Isso me fez lembrar que as minhas experiências de cidade em idade infantil resguardam ruas ora sem pavimento, ora pavimentada com paralelepípedos. As ruas em que estive como residente em Aracaju-SE eram predominantemente residenciais, de pouca movimentação e pavimentada com paralelepípedos, havendo asfalto apenas nas ruas mais movimentadas. No entanto, esse contexto difere bastante do espaço urbano palmense, onde majoritariamente vê-se no asfalto a opção majoritária de pavimentação da cidade (quando tem).
Essa lembrança se conecta com o estudo do Departamento de Ciências Florestais da USP quando afirma que a pavimentação de uma cidade deve ser alternada com outros tipos de piso, dando exemplo dos paralelepípedos ou pisos intertravados. Estes são eficazes por não absorver calor, tornando as noites menos quentes. Ademais, a pesquisa aponta que diferente do asfalto, estas tipologias impactam na redução de danos das mudanças climáticas e tem uma alta capacidade de drenagem. Pesquisas do MIT Concret Sustainability (MIT CSHub) 3 , oriundas dos EUA, oferecem ideias das chamadas “pavimentações frias”, o qual se pode estudar se há possibilidade, ou não, de adaptação em solo brasileiro, considerando as especificidades regionais.
O não atendimento às demandas infantis produzem impactos nocivos a experiência infantil de cidade. A ausência de contato entre crianças de mesma faixa etária impede a compreensão de lidar com diferenças, afeta a superação de desafios de uma convivência harmônica e também no estado mental e motivacional, além de que promove a extinção das tão famosas brincadeiras passam de criança para criança, de geração em geração, através da oralidade e da práxis. Em suma, o que se percebe é que os pedidos das crianças do setor do Lago Norte de Palmas promovem melhorias não só para o bem-estar delas, mas também para todo o corpo coletivo citadino.
A gestão pública, bem como iniciativas múltiplas da sociedade civil, deve (re)pensar as formas de integrar as “poucas” crianças presentes, pensando em espaços públicos seguros, higiênicos e em condições de estrutura física adequada, onde possam exercer ao máximo a sua potência de existir, resguardando afetos de alegria para o presente e boas recordações para o futuro, tendo impacto de se tornarem pessoas melhores.
Enquanto isso, não sejamos tecnocráticos e supostos detentores do saber único do planejamento urbano. Nós, pessoas ditas adultas, somos apenas uma pequena parcela que pode se pronunciar na luta por melhorias de qualidade de vida urbana. Vamos acompanhar Gonzaguinha quando diz “eu 3 Para maiores informações, disponível em: <https://www.solucoesparacidades.com.br/blog/ combatendo-as-mudancas-climaticas-com-pavimentos-frios/>. Acesso em: 04 jun. 2024. fico com a pureza das respostas das crianças” e façamos as vontades coletivas da criançada, colocando-as como prioridade. E você, pessoa adulta, conseguiu resgatar suas memórias de cidade na infância? E mais, já perguntou a criança mais próxima o que ela deseja como melhoria na cidade? Façamo continuamente esse exercício!
Esta oficina me fez fazer uma gira de lembranças e percepções urbanas apreendidas na fase adulta. Por exemplo, os condomínios fechados das classes bancas e abastadas, que se autosegregam cada vez mais e em alta velocidade, é perceptível em alguns casos a aglomeração de crianças nos parquinhos presentes dentro do empreendimento habitacional, foi assim que pelo menos vi quando fui visitar uma amiga num condomínio Alphaville na cidade de Barra dos Coqueiros em Sergipe.
No entanto, localidades onde esta mesma classe vive, mas sem ser de forma cercada, é perceptível a presença de ruas vazias e sem vida. Diferente ocorre na maioria das comunidades de baixa renda e majoritariamente negra, que na ausência de equipamentos públicos de lazer, as crianças utilizam de toda a criatividade e inventividade para fazer tanto da rua quanto de uma praça, sem atrativo algum, um verdadeiro movimento festivo de diversão.
Cada pessoa guarda suas próprias recordações da infância, inclusive pode ser que se afasta desses breves exemplos supracitados, que não tem a pretensão de serem determinantes. Eu, que faço parte da geração Y (Milennials), e com infância e adolescência em ambientes periféricos, tive a oportunidade de usar e apropriar do espaço urbano sem ter a mínima noção de que estava, junto com outras crianças, contribuindo para a vitalidade dos bairros em que estive. Quando li “Quando a rua vira casa”, de Vogel e Melo (2016), ainda com lindas ilustrações de Orlando Mollica, também me vi em algumas passagens daquela etnografia, pois eu cresci vendo a rua virar festa, virar contato físico, solidariedade, mas também presenciei virar confusão, brigas, dentre outros conflitos possíveis que se possa ser imaginado. Contudo, o contexto atual mostra que até mesmo em territórios periféricos tem sido notado o processo de esvaziamento das ruas com a fatal ausência das crianças, tal como é o caso do setor Largo Norte na cidade de Palmas.
O fato é que o panorama da década de 2020 apresenta mudanças sociodemográficas significativas, principalmente no que corresponde a redução da taxa de natalidade. Somado a isso tem-se os desafios em torno da segurança pública, ascensão da tecnologia, além de um desenho urbano, infraestrutura e distribuição equânime de equipamentos e serviços públicos que facilitem a integração infantil, que são fatores determinantes que podem reduzir a presença do brincar das crianças nas vias públicas e demais espaços públicos.
Este contexto apresentado brevemente neste texto só pôde ser possível de ser refletido devido ao que eu ouvi das crianças, que expunham, ao seu modo, a cidade que querem. Foi falado por elas, com muita veemência, a situação de não haver crianças o suficiente para brincar, fazendo com que fosse esse o pedido mais destacado: o aumento do número de crianças para brincar. É válido ressaltar, nesse sentido, que este pedido engloba uma não aderência ao isolamento compulsório correspondente a mesma faixa etária.
Trata-se de uma problemática inerente a qualquer ser humano, até mesmo para àqueles que gostem do contato mínimo com outras pessoas, pois há de convir que mesmo nestes casos existem tentativas de buscar grupos que minimamente compactue com as mesmas ideias, de modo que se possa se sentir inserido e afetivamente pertencido.
Um outro pedido feito pelas crianças chama atenção pelo mesmo motivo, pois a revelação do anseio por parquinhos foi justificada como possibilidade de aglomeração de corpos de faixa etária infanto-juvenil. Isso mostra a perspicácia da criançada, pois demonstra conhecimento sobre os prováveis equipamentos e espaços públicos com potencial aglomeração, revelando intrinsicamente a experiência de viver no espaço urbano periférico.
Somos seres sociais, e o recente evento pandêmico provou em nosso âmago a angústia de nos afastarmos das nossas e dos nossos.
A dinâmica sociodemográfica atual do Brasil apresenta uma diminuição da taxa de natalidade. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciou via Agência IBGE Notícias (2024) que houve uma queda brusca no número de nascimentos no Brasil, tendo alcançado um dado que se conforma como o menor em 47 anos 2 . A despeito de dados conjunturais, em 2021 houve o registro de 2.635.854 crianças passando para 2.542.298, acarretando numa queda de 3,5%.
Os dados dos dois últimos censos, coletado via Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA), mostra que no Brasil houve uma queda no número de crianças com até 14 anos, pois em 2010 havia 45,9 milhões, representando 24,1% da população, enquanto em 2022 o quantitativo correspondia 40,1 milhões (19,8%), despontando numa queda de 4,3 pontos percentuais. Em relação ao Tocantins, nota-se a presença de 397.972 crianças (28,7%) em 2010 e em 2022 a quantidade de crianças correspondeu a 350.986 (23,2%), acarretando numa diminuição de 5,5 pontos percentuais. No que corresponde ao município de Palmas, percebeu-se que em 2010 havia 60.808 (26,6%) e em 2022 aponta-se uma presença de 68.457 crianças (22,6%), mostrando que houve uma redução de 4 pontos percentuais. Os dados mostram que a redução a nível nacional, estadual e municipal possuem um comportamento similar, podendo, inclusive, apontar tendência de diminuição vertiginosa no futuro.
Essas informações quantitativas apresentam sinais mais que óbvios que as cidades, considerando esta faixa etária, já deve(ria) começar a se preparar para pensar um espaço urbano includente no que tange a sociabilidade na infância. A escola, nesse sentido, terá um papel crucial no âmbito da socialização de crianças, pois é nela que provavelmente se concentrará o único período em que crianças se encontram plenamente em aglomeração. Logo, isso exige condições pedagógicas, estrutura física e excelentes salários para professoras/es, de modo a convergir estratégias que beneficiem a sociabilidade. A série histórica foi iniciada em 1974 das crianças, tendo em vista a ausência de resolução de curto prazo do uso e a apropriação de ruas e demais espaços públicos na cidade.
O desafio em relação às escolas ainda se conforma com mais proeminência quando entendemos que estamos vivendo num sistema econômico em que as condições de trabalho impossibilitam um tempo acessível de convivência entre crianças e seus familiares imediatos. Isso faz com que estes não tenham tempo não só de participar de oportunidades efetivas de lazer com as crianças, mas também de que seja garantida a sua presença no quanto aos cuidados sobre o aglomerado de crianças na utilização da rua e os demais espaços públicos para brincadeiras.
Outro tema também discutido pelas crianças remete a pavimentação das ruas, onde as crianças perspicazmente afirmaram que asfalto “esquenta”, apontando que este é um indicador importante que inibe a presença destas na ocupação e apropriação das vias urbanas. Ademais, também foi solicitado uma presença mais expressiva de plantas, o qual podemos também traduzir como incentivo a arborização. Esses anseios de longe ocasionais, pois reafirmam que as crianças sentem e experenciam a cidade, possuindo conhecimento legítimo o suficiente para pleitear suas próprias demandas.
Este fato coincide com os estudos provenientes do Departamento de Ciências Florestais da Universidade de São Paulo (USP) na cidade de Piracicaba-SP, no qual atesta que as vias asfaltadas nas cidades deixam as noites 5ºC mais quentes. O pesquisador Demóstenes Filho acusa que a superfície asfáltica guarda calor, repercutindo no aumento do consumo de água, uso de energia elétrica, além do próprio desgaste físico. Por isso a recomendação é aumentar ainda mais o volume de arborização das cidades, de modo a atenuar o clima hostil. Considerando que Palmas possui uma temperatura média anual superior a cidade paulista, torna o caso da capital tocantinense ainda mais preocupante, haja vista que o conforto térmico se configura como ainda mais insuportável.
Isso me fez lembrar que as minhas experiências de cidade em idade infantil resguardam ruas ora sem pavimento, ora pavimentada com paralelepípedos. As ruas em que estive como residente em Aracaju-SE eram predominantemente residenciais, de pouca movimentação e pavimentada com paralelepípedos, havendo asfalto apenas nas ruas mais movimentadas. No entanto, esse contexto difere bastante do espaço urbano palmense, onde majoritariamente vê-se no asfalto a opção majoritária de pavimentação da cidade (quando tem).
Essa lembrança se conecta com o estudo do Departamento de Ciências Florestais da USP quando afirma que a pavimentação de uma cidade deve ser alternada com outros tipos de piso, dando exemplo dos paralelepípedos ou pisos intertravados. Estes são eficazes por não absorver calor, tornando as noites menos quentes. Ademais, a pesquisa aponta que diferente do asfalto, estas tipologias impactam na redução de danos das mudanças climáticas e tem uma alta capacidade de drenagem. Pesquisas do MIT Concret Sustainability (MIT CSHub) 3 , oriundas dos EUA, oferecem ideias das chamadas “pavimentações frias”, o qual se pode estudar se há possibilidade, ou não, de adaptação em solo brasileiro, considerando as especificidades regionais.
O não atendimento às demandas infantis produzem impactos nocivos a experiência infantil de cidade. A ausência de contato entre crianças de mesma faixa etária impede a compreensão de lidar com diferenças, afeta a superação de desafios de uma convivência harmônica e também no estado mental e motivacional, além de que promove a extinção das tão famosas brincadeiras passam de criança para criança, de geração em geração, através da oralidade e da práxis. Em suma, o que se percebe é que os pedidos das crianças do setor do Lago Norte de Palmas promovem melhorias não só para o bem-estar delas, mas também para todo o corpo coletivo citadino.
A gestão pública, bem como iniciativas múltiplas da sociedade civil, deve (re)pensar as formas de integrar as “poucas” crianças presentes, pensando em espaços públicos seguros, higiênicos e em condições de estrutura física adequada, onde possam exercer ao máximo a sua potência de existir, resguardando afetos de alegria para o presente e boas recordações para o futuro, tendo impacto de se tornarem pessoas melhores.
Enquanto isso, não sejamos tecnocráticos e supostos detentores do saber único do planejamento urbano. Nós, pessoas ditas adultas, somos apenas uma pequena parcela que pode se pronunciar na luta por melhorias de qualidade de vida urbana. Vamos acompanhar Gonzaguinha quando diz “eu 3 Para maiores informações, disponível em: <https://www.solucoesparacidades.com.br/blog/ combatendo-as-mudancas-climaticas-com-pavimentos-frios/>. Acesso em: 04 jun. 2024. fico com a pureza das respostas das crianças” e façamos as vontades coletivas da criançada, colocando-as como prioridade. E você, pessoa adulta, conseguiu resgatar suas memórias de cidade na infância? E mais, já perguntou a criança mais próxima o que ela deseja como melhoria na cidade? Façamo continuamente esse exercício!
Referências
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS FLORESTAIS ESALQ/USP. Asfalto é uma das principais fontes de desconforto térmico. Assessoria de Comunicação da USP, Clipping semanal, 2013. Disponível em: <https://www.esalq.usp.br/acom2/clipping_semanal/2013/11novembro/26_a_01/files/assets/downloads/page0024.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2024.
IBGE. Em 2022, número de nascimentos cai pelo quarto ano e chega ao menor patamar desde 1977. Agência IBGE Notícias, Estatísticas Sociais. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de- noticias/noticias/39560-em-2022-numero-de-nascimentos-cai-pelo-quarto-ano-e-chega-ao-menor-patamar-desde-1977#:~:text=70%20%2D%20Foto%3A%20Pxhere-,O%20Brasil%20registrou%202%2C54%20milh%C3%B5es%20de%20nascimentos%20em%202022,ao%20menor%20n%C3%ADvel%20desde%201977>. Acesso em: 03 jun. 2024.
IBGE. Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.
IBGE. Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA. Censo Brasileiro de 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2023.
UOL. Asfalto mantém calor e faz noites serem até 5.ºC mais quentes. Caderno de Meio Ambiente. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/meio- ambiente/ultimas-noticias/redacao/2013/03/12/asfalto-mantem-calor-e-faz- noites-serem-ate-5c-mais-quentes.htm>. Acesso em: 03 jun. 2024.
VOGEL, Arno. MELLO, Marco Antônio da Silva. Quando a rua vira casa. 4.ª ed. Rio de Janeiro: Eduff, 2016. 174p.
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